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A bem da Nação

GALIZA E PORTUGAL

LÍNGUA E CULTURA COMUNS

UMA VISÃO DE AMBAS AS PARTES

 

José Paz Rodrigues

Professor Titular de Didáctica e Organização Escolar – Universidade de Vigo;

 Presidente da Associação Sócio-Pedagógica Galaico-Portuguesa

 

 

Nota prévia: Este artigo, dirigido aos portugueses, está no galego original, escrito pelo autor com a grafia do galego reintegrado, a mesma do português oficial que os reintegracionistas procuram tornar oficial na Galiza contra vontade dos governantes galegos, agentes de Madrid, que teimam em utilizar o chamado castrapo – termo depreciativo para designar o galego espanholizado.

 

 

 

I – O primeiro problema com que nos encontramos no tratamento do presente tema é a do AUTOCONCEITO que de si mesmo têm os portugueses e, por extensão, a valoração que fazem da sua própria língua e cultura.

 

II – O segundo problema, ao nosso ver, radica na força com que nos diferentes foros os portugueses apoiam a defesa e utilização da sua língua própria.

 

III – Um terceiro problema – não menos importante – radica na visão que têm os portugueses do mundo lusófono e da utilidade da sua língua dentro do concerto da política linguística mundial.

 

IV – O quarto problema, sem dúvida, relaciona-se com o desconhecimento sobre a realidade da Galiza, mãe e berço da língua portuguesa, que tem em geral o povo português. É preciso conhecer a apoiar a Galiza melhor desde Portugal e incluir esta comunidade dentro do mundo lusófono, ao que por língua, cultura, tradição e história pertence.

 

V – Por último, ao nosso modesto entender, o problema número cinco relaciona-se com a política linguística e cultural que se desenvolve desde as administrações públicas – e também privadas – de Portugal.

 

Explicitados tais problemas, faz-se necessário entrar a analisá-los um por um.

 

1º - Pensamos, pela experiência adquirida por nós nos últimos quinze anos, que os portugueses são “galegos aperfeiçoados”. O que é o mesmo que dizer que infravaloram exageradamente o seu, pensando – muito equivocadamente – que as coisas melhores são de fora.

 

É, portanto, urgente e necessário modificar o auto-conceito que de si mesmos têm os portugueses. Portugal pode ensinar em muitos campos aos demais países do mundo: no ensino, na cultura, na defesa do património, no artesanato, na sensibilidade com as artes, no respeito pelas ideias dos demais, na defesa da natureza e da vida, etc.

 

Portugal é, para nós, um dos povos mais cultos do mundo. Infelizmente, são os portugueses os que não acreditam neles mesmos. Mais, Portugal é desde logo, junto com a Itália, um dos países com maior imaginação e criatividade do planeta. O dia em que o povo português se faça um bocadinho “chauvinista”, à moda francesa, dará um passo à frente muito importante.

 

O primeiro que necessita um povo é acreditar nele mesmo e superar todo o tipo de complexos de inferioridade. A língua portuguesa, além de formosa, é extensa e útil. A cultura portuguesa é, por enlaçar com a tradição mais autêntica e com o povo, de alto nível, muito superior à de qualquer outro país. Tão só falta que os portugueses e portuguesas tomem consciência do que estamos a dizer. Quem tem que sentir inveja são os outros de Portugal, não ao contrário. O cuidado com que em Portugal se trata a música, o folclore, as artes tradicionais, as festas populares, os monumentos com valor artístico, os museus, o livro, etc., é realmente exemplar e modélico para qualquer outra cultura. Vocês mesmos têm arquitectos paisagistas. Vocês mesmos têm parques naturais extraordinários. E não estamos a falar de um Portugal ideal senão real. Ainda conservam as feiras que já estamos a perder nós. Por não falar da cultura do vinho que tão esplendidamente conservam desde tempos históricos. Cuidar do vinho também é cultura. Conservar o artesanato autêntico também é cultura. Apoiar os ranchos folclóricos e outros grupos musicais também é cultura.

 

2º - Também a experiência nos diz que não se distinguem precisamente os portugueses pela defesa que, especialmente nos foros internacionais, fazem da própria língua. Outra vez o negativo complexo de inferioridade e de infravalorização da sua língua que têm os portugueses, leva-os a utilizar nos diferentes foros o francês ou o inglês (ou mesmo um horrível castelhano). E não o que seria natural: a língua portuguesa. Fazem assim por considerá-la de menor rango. Sem dar-se conta que na CEE, pata pôr um exemplo, depois do inglês e do castelhano, o português é a língua mais importante. Meus queridos amigos, diante do francês, do alemão, do italiano, etc. Esta atitude dos portugueses – incompreensível, olhe-se4 por onde se olhe – dos intelectuais e mesmo dos políticos, infelizmente bem poderia perdurar. Atitude que leva por exemplo a que nas reuniões da CEE ou do Conselho da Europa, por despreocupação dos afectados, faltem os tradutores e intérpretes portugueses, ou pelo menos se existem sejam brasileiros. Por se não o sabem diremos-lhe que o governo espanhol – ou os seus representantes – não dão início a reuniões se não estão nas cabinas os tradutores para a língua castelhana. São políticos bem diferentes mas que sempre as leva de perder a língua portuguesa, por culpa dos próprios portugueses. Ainda nos lembramos daquele ministro português que podendo – e devendo! – falar em português o fez em inglês. É urgentíssima a mudança de atitudes neste tema. Porque a língua portuguesa, ademais de formosa e de ser a nossa (com o que já abondaria), é a segunda língua românica mais importante do mundo depois do castelhano, a terceira mais importante da CEE, a língua oficial de sete países soberanos e cooficial com o castelhano na Galiza, além de ser falada em comunidades doutros continentes, nomeadamente Ásia e Oceânia. A utilização da língua própria pelos portugueses em todos os foros nacionais e estrangeiros é irrenunciável. O que não é incompatível com a defesa do conhecimento de outras línguas e do plurilinguismo que desde sempre tem defendido o povo português. A diferença da Espanha, em Portugal é normal que os intelectuais dominem, além da sua, outras línguas. Achamos que isso é bom e positivo, revelando uma maior cultura.

 

3º - Portugal, que teve o valor e a audácia de levar a nossa língua comum (a língua galaico-portuguesa) pelo mundo, deveria nesta altura deixar por um tempo de mirar-se a si mesmo de maneira narcisista e abrir-se outra vez – como no século XV – ao mundo. Nomeadamente, ao seu mundo, que não é outro que o mundo lusófono. O que faz necessário adoptar uma atitude mais aberta e mais generosa que até agora. Sem deixar de ser o pai (a mãe foi a Galiza), Portugal tem de estabelecer desde já laços estreitíssimos – mesmo marchando de mãos dadas no concerto mundial – com Brasil, com Angola, com Moçambique, com Cabo Verde, com Guiné-Bissau, com São Tomé, com Príncipe e com aqueles enclaves da Ásia e Oceânia – nomeadamente com o povo de Timor que tanto está a sofrer – onde ainda se conserva a nossa língua. Sem esquecer tão pouco, meus amigos, a Galiza que deverá ser incluída como mãe e berço da língua, por direito próprio na comunidade lusófona.

 

4º - Tudo quanto se paga pela aproximação cultural e linguística entre Portugal (nomeadamente o Norte) e a Galiza será sempre pouco. O desconhecimento mútuo é quase proverbial, embora cada dia se organizem mais encontros entre ambos os povos. O desconhecimento mantém de pé os preconceitos e estereótipos que uma e outra parte tem sobre um e outro povo. Que são tão negativos como irreais. Portugal tem que ver a Galiza como prolongação de si próprio. Por língua e cultura a Galiza é um troço de Portugal. Inclusive haveria que dizer que a Galiza é uma grande Olivença, para que de uma vez por todas os portugueses vejam a Galiza como uma região mais próxima a Portugal que a Espanha., à qual por razões históricas de infeliz recordo pertence. A Galiza sofreu cinco séculos de castelhanização – muitas vezes brutal – e ainda assim o povo (camponês e marinheiro) manteve ouro em o pano, em palavras de Castelão, a sua própria língua. Contra vento e maré. Contra persecuções sem conta. Contra proibições indignas as mais das vezes. Por isso a Galiza necessita de Portugal compreensão pelos seus problemas e mesmo apoio se houvesse hipótese.

 

Galiza necessita dos livros, das revistas, dos jornais, dos programas de TV, do cinema, do vídeo, etc., portugueses ou brasileiros. Galiza necessita ser conhecida a fundo pelos portugueses. Galiza necessita que se conte com ela para qualquer planificação cultural, linguística e mesmo económica de carácter lusófono. Galiza necessita ter mais, maiores e melhores comunicações com Portugal. Por terra, por mar, por ar, por telefone e pelos meios de comunicação. Não podemos continuar de costas viradas. Portugal deve saber também quem são os galegos que de verdade amam Portugal, pois infelizmente não são todos. Há muitos que de boca para fora dizem que querem a Portugal mas infelizmente só de boca para fora. Há muitos que por não amar a Galiza não amam Portugal ou vice-versa. E é necessário desmascará-los. Os portugueses devem começar por ter a consciência de que a Espanha não é, embora o pareça, una. As únicas comunidades comuns no Estado espanhol com Portugal são a “Olivença pequena” e a “Olivença Grande”, a Galiza.

 

Por razões culturais, linguísticas, históricas e mesmo pela forma de ver a vida e de pensar ou pela idiossincrasia dos dois povos: o galego é o português. Todos os galegos bons e generosos que houve no nosso mundo cultural amaram Portugal: Murguia, Rosália de Castro, Pondal, Curros, Vilar Ponte, Viqueira, Castelão, Risco, Cuevilhas, Lousada Diegues, Carrá, Otero Pedraio, Cabanilhas, Carvalho Calero, Jenaro Marinhas (este felizmente ainda vivo), etc. Existe no pensamento galego mais autêntico e europeísta uma linha de continuidade que passa pela unidade cultural e linguística de Galiza e Portugal. Também Portugal tem muito que aprender da Galiza, pelo que esta sofreu ao longo dos séculos. Com os novos meios não seria utópico pensar que Portugal terminasse por ser no futuro uma “Olivença imensa”. Preocupa muito aos galegos ver a alegria com que em Portugal, desde as administrações públicas – apoiam o levantamento de postes repetidores para ver a TV espanhola. Infelizmente tal alternativa não se corresponde em paralelo com o levantamento de postes repetidores para ver na Galiza a TV portuguesa. O mesmo exemplo valeria para a rádio, o livro, o vídeo, as revistas ou os jornais.

 

Amigos portugueses, lembrem-se que não se deve esquecer desde Portugal a Galiza, esse belo troço atlântico português de coração, mas não de amo.

 

5º - Para terminar seria necessário ver se existe, se é correct5a e coerente e se é suficiente a política levada a cabo no momento actual pela administração portuguesa para divulgar a língua e a cultura portuguesa no mundo e, nomeadamente, nos âmbitos da lusofonia e nas colónias de emigrantes portugueses na Europa e na América, ou mesmo na Oceânia. Conhecemos as dificuldades económicas pelas que nos últimos anos está a passar o Estado português, que na maioria das vezes tem de suplantar com imaginação. Mais, dentro destas dificuldades, o Governo Português não deveria “escatimar” esforços para divulgar a língua e a cultura portuguesas, para apoiar a divulgação da literatura e do livro português – para nós de um grande valor tanto na forma como no conteúdo e na variedade – para a apoiar a realização de programas de vídeo, cinema, rádio e TV conjuntos entre todos os países lusófonos, incluída a Galiza. Para realizar publicações conjuntas de jornais e revistas dentro do mundo lusófono. Para abrir nas cidades mais importantes, nomeadamente nos países lusófonos, incluída a Galiza, Institutos de Língua e Cultura Portuguesa (com professores e dinamizadores). Para mandar aos PALOP’s livros, revistas, materiais de ensino. Para evitar o que está a acontecer em Guiné-Bissau que pode levar a que este país abandone a nossa língua, trocando-a pela francesa. Para divulgar as artes plásticas, o teatro, o cinema, o artesanato, etc., por todo o mundo e especialmente o lusófono, incluída a Galiza. Organizando ciclos e circuitos itinerantes em esquecer as comunidades portuguesas de emigrantes e os Centros Portugueses espalhados por todo o mundo: na Europa, no Brasil, nos EUA, no Canadá, na Austrália e na África.

 

Como exemplo convém citar a última decisão do Governo espanhol de dedicar um bom punhado de dinheiro para criar nas cidades do mundo os chamados “Institutos Cervantes” para divulgação da língua castelhana. Portugal deveria apoiar-se para oferecer serviços culturais nas diferentes Embaixadas de Portugal em todo o mundo, ao estilo do que faz por exemplo a França e a Alemanha. E não deveria esquecer da possibilidade que existe de realizar convénios entre Centros Galegos e Centros Portugueses de emigrantes, verdadeiros aliados naturais, no que se poderiam levar em frente programas culturais conjuntos de cooperação. Tenho dito.

 

 

 

In “GALIZA PORTUGAL – UMA SÓ NAÇÃO”, ed. Nova Arrancada, Lisboa, Outubro de 1997

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