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A bem da Nação

PELA ROTA DA ÍNDIA

 

 

Pela rota de Índia se foi fazendo Portugal e disso é prova que foi com os dinheiros realizados na Europa com mercadorias exóticas, tais como o açúcar madeirense, que se financiou o início da construção em Lisboa do Hospital de Todos os Santos. Corria o ano de 1498.

 

Mas foi bem antes disso, em 1430, que os monges da Ordem da Trindade se instalaram definitivamente em Tavira ali construindo o Hospital do Espírito Santo para apoio aos navegantes e combatentes no norte de África. De tal modo a sua acção se destinava a apoiar os agentes da conquista que há quem considere este o primeiro hospital do ultramar português.

 

Dará para imaginar no que nessas épocas remotas consistiam os hospitais e que medicina neles se praticava?

 

Fossem quais fossem, eram os tratamentos que à época se conheciam mas a higiene devia ser bem duvidosa. Normalmente, aproveitavam-se umas casas que estivessem livres e de que o Alcaide ou Governador militar pudessem dispor nelas autorizando a entrada de doentes que se recolhiam a montes de trapos a que chamavam enxerga. Era sobre esses trapos que se derramavam os humores sempre fétidos só que alguns purulentos e outros apenas orgânicos. Dá para imaginar . . .

 

Quem desses doentes tratava eram religiosos que tudo faziam por amor a Deus pois outro sentimento não poderá ser invocado no meio de tanta pústula, escara, febre e gemido. Era pois necessário que os religiosos seguissem os mareantes. Sobretudo a partir do momento em que pelo ano de 1434 Gil Eanes dobrou o Cabo Bojador e em que a evacuação de doentes para Portugal deixava de ser possível sem acrescidos riscos na sobrevivência do infeliz. A expansão da Fé passou a ser anunciada como um objectivo das descobertas portuguesas mas não restam muitas dúvidas de que só assim é que se conseguiria convencer a Igreja a acompanhar esses meio azougados aventureiros que estavam certamente muito mais interessados no ouro da Mina e nos curativos hospitalares do que na piedade inspirada no crucifixo.

 

Apesar da relativa proximidade, em 1486 foi instalado em Safim um local de acolhimento dos doentes enquanto não eram evacuados para Tavira. Acabou este local por desempenhar as funções de verdadeiro hospital pois chegou a ter físico, cirurgião e boticário. A terra era pobre naquelas paragens mas o mar, esse, era pródigo em pescarias e era nessa faina que os portugueses lá andavam por longos períodos. O pretexto para se instalar este hospital foi o do apoio aos nossos pescadores mas acabou por servir toda a população indígena que muito beneficiou com a situação. Datam de muito mais tarde, 1516, os hospitais de Tânger e Arzila e é incerta no tempo a fundação do Hospital de Santa Cruz do Cabo de Gué, hoje Agadir, que foi praça portuguesa entre 1505 e 1541.

 

Mas se a rota do Algarve d’além-mar (Marrocos) para Portugal se fazia em linha recta e o porto de chegada era algures no Algarve d’aquém-mar, quando a origem da viagem era a sul do Cabo Bojador, a rota era circular zarpando as caravelas para o mar alto rumo à Madeira e Açores, daí tomando o nascente até Lisboa. Eis a razão pela qual foi necessário edificar em Lisboa o Hospital de Todos os Santos e não mais no sul do reino. Só que o hospital de Lisboa nunca foi considerado afecto ao ultramar pois atendia sobretudo às populações residentes na cidade e cercanias.

 

O mais antigo hospital situado além do Bojador foi mandado erigir em 1497 pelo Rei D. Manuel na Ilha de Santiago, em Cabo Verde, a que se seguiu o de S. Jorge da Mina (actual Gana) em 1498. Foi ainda o Rei D. Manuel que em 1504 mandou instalar o hospital em S. Tomé para apoio aos mareantes que demandavam o Manikongo mas que acabou por se destinar sobretudo às populações residentes em clima tão inóspito como aquele que hoje sabemos ser sobretudo palustre.

 

. . . e assim foi que Bartolomeu Dias dobrou o Cabo das Tormentas.

 

Chegados ao Índico, havia que prover aos cuidados nessa banda já tão longínqua e nada menos do que dois hospitais foram instalados em 1505 em Sofala e Quilôa e o da Ilha de Moçambique em 1507. Foi este último que passou a assumir a liderança no sistema de saúde português na costa oriental de África dadas as condições de salubridade do local e a afabilidade dos povos indígenas.

 

Mas a navegação no Atlântico sul deixou em 1500 de se fazer ao longo da costa africana passando a fazer-se pelo recém-descoberto Brasil com aproveitamento total dos alísios e evitando as calmarias namibianas. Eis como se tornou necessário e possível instalar um hospital na resguardada Bahia de Todos os Santos. Contando com o de Tavira, foi este o 9º na sucessão.

 

Data de 1511 a instalação do hospital em Melinde, não longe de Zanzibar, onde os portugueses largavam habitualmente a navegação costeira para se fazerem à travessia do Índico rumo a Chaul, já na costa do Malabar.

 

A amizade estabelecida por Vasco da Gama com o Rei de Cochim facilitou a instalação naquele porto em 1505 do mais antigo hospital português naquela costa, a que se seguiu em 1506 o de Cananor. São incertas as datas em que se edificaram os hospitais em Goa e Baçaim mas em 1512 Afonso de Albuquerque vê-se obrigado a expulsar os falsos doentes que se recolhiam em mendicidade no hospital de Goa e por carta datada de 31 de Outubro de 1548 da Misericórdia de Baçaim se ficou a saber que “(…) porque serteficamos a Vossa Alteza, que o ano em que sercarão Dio (1546), forão tantas as necessidades desta terra de feridos e doentes e pobres, que a elle della vyeram que nem ho espritall, nem a misericordia, nem o capitão nem outras nenhumas pessoas erão poderosas pera os agasalhar, nem curar, nem respairar, como hera necessaryo, se não forão os moradores desta terra que, ainda que são pobres, vendo quanto compria ao serviço de Deus e de Vossa Alteza, faziãm de suas casas espritais, e gastavão o seu, e davam muita conssolação dos ferydos e doentes que de Dio vynhão, que herão muytos”.

 

Assim contamos 17 hospitais entre Tavira e Baçaim. Ficam por contar os que se instalaram para lá da Índia. Mas disso tratarei alhures quando o Sol cair em terra e se puser por trás de Madurai e Pondicherry.

 

Lisboa, 28 de Março de 2006

 

Henrique Salles da Fonseca

 

 

BIBLIOGRAFIA:

 

“ARMADAS PORTUGUESAS – apoio sanitário na época dos Descobrimentos”

Autor: Médico Capitão-de-mar-e-guerra José de Vasconcellos e Menezes

Editor: Academia de Marinha, Lisboa, 1987

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